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Evandro Prado | Sýnodus Horrenda

Tencionar elementos do universo pop, como cores, estética, e produção em massa, com a religiosidade, mais precisamente, a religiosidade vinculada à Igreja Católica, seus símbolos, suas crenças e sua história, conduz a produção de Evandro Prado. São esses os artifícios que o artista emprega a fim de gerar ruído e dessacralizar esses elementos, de algum modo, colocá-los no mesmo patamar, onde uma coca-cola tem o mesmo valor de devoção, que a imagem do papa. A devoção, ou neste caso, o poder que uma imagem tem de gerar essa devoção, através de símbolos, é o que interessa e está em discussão no trabalho.

 

Para a exposição Sýnodus Horrenda (em tradução livre, assembléia horrenda, conhecida em português como o julgamento do cadáver) o artista toma como ponto de partida um episódio da história da Igreja Católica datado de 897 d.C.. Segundo conta a história, o Papa Estevão VII, assim que eleito, ordena a exumação do seu antecessor, o Papa Formoso, para julgá-lo pelos crimes que ele teria cometido durante seu papado. Formoso é vestido com os trajes papais, e posto sentado em um trono dentro da Basílica de São João de Latrão para seu julgamento. Lá foi acusado de perjúrio, cobiça ao trono de São Pedro, e violação as leis da Santa Igreja. Sem poder responder a nada, uma vez que já estava morto, foi condenado.

 

Assim foram arrancadas as vestes papais do Papa Formoso, cortaram-lhe os três dedos da mão direita usados para dar a benção papal, e o enterram em uma cova comum. Em seguida foi novamente exumado, foi arrastado pelas ruas de Roma, teve sua ossada amarrada à pedras, e por fim, foi jogado nas águas do Rio Tibre.

 

O Papa Formoso é retratado pelo artista, assim como o papa Estevão VII, que aparece em meio a ossada de seu antecessor. Só que Formoso aparece com todo o requinte que o retrato de um papa pede, porém o retratado aparece putrefato, com as vestes papais, sentado no trono, em seu julgamento. O desenho se apresenta em uma moldura barroca, a fim de ressaltar toda a ostentação de formas e detalhes presentes nos ornamentos que o cadáver vestia, e na iconografia Católica .

 

Ao entrar na exposição nos deparamos com a fachada da Basílica de São João de Latrão em ruínas, afundada no chão. Construída por Constantino I, e principal igreja de Roma no século IV, antecede Basílica de São Pedro. Na época, o Papa morava e governava do monastério anexo a Basílica. Seu nome é uma homenagem a São João Batista, e o Latrão foi colocado por ter sido construída no terreno da família “dei Laterani”. Considerada pelos católicos a mãe de todas as igrejas, o artista a coloca em ruínas. A Fachada da igreja é parcialmente reconstruída em tijolos aparentes, atravessando os limites da galeria, avançando para o exterior seccionada pelo vidro, limite físico do interior da galeria.

 

Na sequência, vemos uma série de desenhos, que parecem até estudos arquitetônicos de diversas igrejas. Todas elas aparecem nesses estudos seladas, fundidas com um mudo de tijolos, na explicitação do seu inalcançável poder. Aqui o poder inacessível se torna barreira física. Arquitetura é vista como escultura ou objeto, seu interior vira um espaço oco, e sua fachada se planifica, assim como na instalação que o artista apresenta.

 

De modo geral, é disso que se trata o trabalho de Evandro Prado, discutir a instituição igreja, falar de sua falência e deficiências, explicitar seu poder desgastado, seu poder inalcançável em ruínas. Tudo isso sem esquecer-se do requinte estético, glamoroso e pomposo da igreja católica. Arruinada, nada resta a fazer, o possível é apenas contemplar a sua beleza e esperar que ela aos poucos se torne pó.

 

Douglas de Freitas

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